domingo, 9 de agosto de 2009

A ilha do tesouro

Durante dois anos – 24 meses! -, José Sabino da Silva Júnior acordou todos os dias às 6h para apagar o Farol da Ilha Rasa, ponto luminoso que vem do pedaço de terra cercado de água por todos os lados, a 10 km da praia de Copacabana. Apesar das maravilhas tecnológicas que orientam quem circula sobre as ondas, o farol continua lá, positivo e operante, há exatos 180 anos.

Voltando àqueles dois anos específicos, também era o sargento da Marinha, Sabino, quem acionava a lâmpada dentro da cúpula de lentes todo dia às 18h. Além disso, uma limpadinha no jardim e... nada mais. Acompanhado da mulher e um filho de dois anos, Sabino lembra com saudade do período - 1996 a 1998 - em que via o Rio de um ângulo um tanto incomum.

Depois da temporada, Sabino voltou a morar na ilha 10 anos mais tarde, em 2008, desta vez por apenas três meses e sem a família. “Emagreci 3 quilos”, lembra. Sabe-se lá por que a comida era ruim ou por que encarava 450 metros de aclive da base da ilha até o farol, três vezes ao dia.


Agora, o sargento retorna com a missão de levar para o atual faroleiro, Anselmo Luiz Viana de Araújo, uma geladeira, eletrodoméstico essencial para quem vai passar os próximos meses por ali. A máquina sai do barco e chega à ilha por meio de um guindaste, que carrega numa cadeirinha os visitantes também.


Junto ao ferro-novo, uma surpresa. “Opa! O pessoal trouxe pão francês! Isso é que é amizade...”, comemora o sargento Anselmo.


O farol


Depois da recepção, acende, sem atraso, a lâmpada de mil watts cuja luz é intensificada pelo impressionante conjunto de lentes que a cercam. A luminosidade, que equivale a de 2,5 mil velas, alcança olhos distantes até 50 km dali. Os feixes saem do alto da torre de 26 metros, alcançada por uma escada de 107 degraus – sim, sargento Anselmo parou para contá-los.


Deste momento em diante, até as 6h do dia seguinte, o farol funciona como um placar anunciando: Rio de Janeiro. Sargento Anselmo explica: “Cada farol tem um período de rotação da lente, como se fosse um código que dá uma assinatura para ele. A função do farol não é só indicar que há continente por perto, mas dizer que lugar é aquele”.

Na França, onde estão alguns dos mais famosos, foi criada a Sociedade Nacional para o Patrimônio de Faróis e Sinalizações para salvá-los da deterioração do tempo e de sua superação pela tecnologia. Os defensores dos faróis os consideram simbólicos por representarem a presença do homem no oceano e alimentarem o imaginário coletivo com cenas de pirataria e disputas no mar.

Curiosamente, o próprio Farol da Ilha Rasa teve sua inauguração adiada ao ser vítima de saque por corsários argentinos, durante o transporte do jogo de lentes da França para o Brasil. Uma nova estrutura teve que ser encomendada às pressas à Europa, por D. João VI. Desde então, nunca apagou.


Sabino se despede de Anselmo e volta para Niterói, onde trabalha com a vista da Baía de Guanabara e da Ponte Rio-Niterói. Mas para matar as saudades, basta dar um pulo a alguma das praias cariocas, depois do cair do sol, e olhar para o horizonte. À esquerda das Cagarras, lá está ela, a Ilha Rasa – de farol aceso.

Foto: Robert Handasyde

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