segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O nu como metáfora do abandono

A fumaça, o ronco do motor dos carros ou o barulho das buzinas parecem não incomodar o sono tranquilo de Gabriel dos Anjos Barbosa, de 25 anos. Ele é visto, com frequência, bastante à vontade — até um pouco demais — deitado em sua cama improvisada na saída do Túnel Acústico, na Gávea. Os motoristas que reparam no homem magro sobre o colchão podem até julgá-lo como um desavergonhado, afinal Gabriel tem o hábito de dormir completamente nu. Entretanto, aqueles que o abordarem perceberão que o morador de rua é na verdade bastante tímido. Talvez não hesite em se despir na hora do descanso, convencido de que se tornou invisível aos olhos da sociedade.

Ao ser acordado por estranhos nessa situação, nesta sexta, por volta do meio-dia, repetiu o pedido de desculpas e a promessa de que aquilo não se repetiria. O movimento para se cobrir com o cobertor foi instintivo e mais rápido até do que o despertar do mundo dos sonhos. Gabriel tem cerca de 1,70m, lhe falta pelo menos um dente e as palavras saem emboladas de sua boca, o que, combinado com o barulho do tráfego intenso no túnel, torna difícil o processo de decifrar um pouco dessa personalidade.

O colchão fica posicionado em uma pequena área de terra, localizada próxima a um vão que separa as duas pistas do túnel e serve de escada para os aposentos do sem-teto. A pilastra do túnel virou guarda-roupa: ali ficam penduradas as duas camisetas e as duas bermudas de Gabriel. Há ainda uma garrafa PET com água, uma mochila e um par de tênis. Em cima do colchão um lençol e um cobertor, que no ambiente abafado, costumam ser dispensados pelo homem ao longo do período de sono.
Ele não sabe dizer ao certo há quantos anos vive nas ruas, só que “faz muito tempo”. Com a mão no queixo, pensa um pouco e conta ter saído de casa por causa do padrasto, José Maia, que mora na Rocinha.

— Ele é ruim. A gente não se dá bem — diz, sem se alongar.

Também prefere não falar muito da mãe, que morreu há cerca de 10 anos e de quem conta sentir falta. Antes disso, Gabriel já havia saído de casa. Não tem irmãos e o pai não conheceu. As poucas roupas que carrega foram doadas por moradores da Gávea e as refeições consegue com comerciantes, que trabalham nos quiosques localizados nas proximidades da PUC. Nascido em Nova Iguaçu, não conseguiu passar da 4º ano, mas gostaria de voltar a estudar. Nunca trabalhou. Garante que não bebe e nem usa drogas, mas já foi parar na delegacia uma vez.

- Por engano - pontua ele.

Os policiais o acusaram de roubo, mas ao chegar à delegacia a vítima teria afirmado que se tratava do homem errado.

- Eles até me pediram desculpas - contou.

O morador de rua já passou mais de uma temporada num abrigo da prefeitura, mas não se adaptou. Se foi maltratado?

— Não, isso não. Mas não gostei — resumiu.

Refeito do susto do despertar súbito e já envolto no cobertor, Gabriel disse que se vestiria para deixar o “dormitório”, como que pedindo licença para pegar as roupas no “armário”. Antes de pedir algo para comer nos quiosques, planejava tomar um banho no canal localizado em frente ao portão de saída da PUC, no terminal de ônibus. Ali, usaria cueca.