quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A primeira vez a gente nunca esquece

A semana do dia 22 começou quente para a editoria Rio - literalmente. Bandidos, chamados de terroristas pelas autoridades, passaram a incendiar carros pela cidade como retaliação às políticas de segurança pública de pacificação de favelas. Até a cabeça do governador foi posta a prêmio pela marginalidade. Em meio a tudo isso, Sérgio Cabral ressaltou que os "bunkers" do tráfico estavam se tornando mais escassos. Eu estava lá, positiva e operante, no momento da declaração de Cabral.

Em dois meses emprestada na Rio (sou repórter dos Jornais de Bairros de O Globo), muitas foram as oportunidades de estar cara a cara com o governador. Por entrar na parte da manhã, às 9h, não raro era escalada para cobrir a agenda de Cabral e do prefeito Eduardo Paes. O que eu não sabia é que essas aparições ganhariam importância ao longo de minha estada na editoria, afinal o Rio começava a viver uma crise na segurança.

Veja bem, crise na segurança, porque na editoria Rio esse se transformaria num momento histórico, com o anúncio da antecipação da tomada do tão temido Complexo do Alemão. Por sorte, isso veio a acontecer exatamente nesse período de dois meses emprestada. Para a editoria Rio, o momento equivalia a uma Copa do Mundo para o Esporte ou às eleições para a Nacional. Corre-corre, cadernos especiais e envolvimento total da equipe na cobertura ao vivo em tempos de integração com o online. Aprendizados não faltaram, mas uma experiência corriqueira para muitos repórteres da editoria me marcou.

Foi nessa semana agitada - como não podia deixar de ser - que vivi uma experiência inédita: me deparei com meu primeiro "presunto". O morto estava ali, a menos de um metro de distância, enquanto eu tentava arrancar alguma informação do tio dele. Àquela altura, a tendência era a de acreditar que o crime consistia em mais uma ação ousada de traficantes querendo mostrar poder. Pensou-se até num atentado ao Detran, de onde o rapaz saíra momentos antes de morrer. Por fim, não era nada disso. Os disparos era direcionados.

O jovem, de 18 anos recém-feitos, tinha sido atingido por nada menos do que seis tiros. A perícia virou o corpo para um lado, virou para o outro, e me vi tentando confirmar o número de perfurações. De onde veio tanta frieza? Não sei. Certo é que, há dois meses, nem imaginava o que estaria reservado para essa minha temporada na editoria Rio. O frio na barriga de sair do ponto de conforto valeu a pena. Volto para os Jornais de Bairro com o sentimento de dever cumprido e um gostinho de quero mais.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

De perto com a morte - por motivo fútil

Ontem, tiros voltaram a assustar moradores de Madureira, na altura da Serrinha, mas desta vez os disparos nada tiveram a ver com a disputa travada entre traficantes pelos pontos de venda de drogas na comunidade. O alvo de cerca de 15 disparos era Christian dos Santos Silva, de 18 anos, que estava no posto do Detran, localizado na Rua Edgar Romero, para renovar sua carteira de identidade que havia vencido. Pelo menos seis tiros acertaram o jovem, que morreu na hora. O crime foi executado por um homem que fugiu por um dos acessos à Serrinha, na Zona Norte do Rio. Outras duas pessoas ficaram feridas.

Christian dos Santos Silva foi morto quando deixava o Detran, por volta do meio-dia. A Delegacia de Homicídios (DH) está utilizando imagens gravadas por câmeras de segurança instaladas na fachada da Caixa Beneficente da Polícia Militar do Rio de Janeiro, estabeleciento vizinho ao Detran, para identificar o autor dos disparos.

Duas pessoas que estavam próximas ao local foram baleadas na perna. Renan da Silva Bruno, de 11 anos, foi levado para a a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Irajá e depois transferido para o Hospital Getúlio Vargas, na Penha. Já Anderson Iago de Carvalho, de 18 anos, foi atendido no Hospital Carlos Chagas.

De acordo com a delegada adjunta da DH, Tatiana Queiroz, uma das possibilidades investigadas é que o crime tenha causa passional. O jovem morto era pai de um bebê de sete meses, de cuja mãe já estava separado há seis meses.Christian dos Santos Silva estava casado com outra mulher, morando em Inhaúma. Sua família mora em Vaz Lobo, bairro vizinho à Madureira.  Há suspeitas de que ele tivesse relação com
outra mulher, da Serrinha.

O posto do Detran foi fechado logo após o ocorrido. Funcionários estavam bastante assustados, e a sala de atendimento principal ficou com marcas de sangue, já que as duas vítimas baleadas na perna correram para dentro do posto para se proteger, assim como outros pedestres que passavam pelo local.

— A criança de 11 anos correu para uma sala lá no fundo do corredor e ficou escondida. Demorou um tempo até notarmos que ela havia sido baleada. Todos ficamos muito assustados, ainda mais depois do que vem ocorrendo aqui na Serrinha — disse um funcionário do Detran.

O corpo de Christian dos Santos Silva foi periciado e retirado do local por volta das 15h. A mãe do jovem, Elisabeth dos Santos Silva, esteve no local e não quis falar com a imprensa. Alexandre Silva, o primeiro parente a chegar na cena do crime, contou que o sobrinho estava morando em Inhaúma e que trabalhava como entregador. Ele não soube dizer o que poderia ter motivado o crime. A avó do jovem morto estava
muito abalada:

— Eu ensinei tudo a ele. Minha consciência está tranquila. Nunca imaginei que iria passar por isso — disse, sem se identificar.

sábado, 2 de outubro de 2010

A vida a um gole

Entrou em casa como quem entra no bar. Mesmo se tentasse disfarçar o barulho dos passos, Nadir notaria a chegada do marido pelo olfato. Aquele cheiro amadeirado era inconfundível e ao mesmo tempo intragável. Não é possível, pensou com tanta força que as palavras espirraram de sua boca e esbofetearam Valter.

– Assim não há quem aguente. Ontem mesmo estava aí prometendo não beber mais. E olhe agora como está. Bê-ba-do. É sempre assim, e, o pior, na frente dos meus filhos.

– É isso mesmo. MEUS filhos.

– Sinceramente, mais para baixo eu não tenho como te empurrar. Você chegou ao fundo do poço. Devia era tomar vergonha na cara.

Valter bateu com força a porta do quarto, em vez de dar uns tabefes na esposa. Não o fez porque sua mão não a machucaria nada se comparado com o efeito daquelas palavras. Sentou na cama estreita, forrada com lençol puído. Há anos não dividia as noites, que fossem de sono, ao lado da mulher. Dormia pequeno, encolhido, naquele quarto vazio. Ao lado da cama, o criado mudo ancorava três garrafas de uísque 12 anos metade vazias. Nada mais. Tratou de consumir mais uma metade para esquentar a alma ferida pelos uivos da esposa.

Demoraria a dormir. Afinal, o coração batia forte no peito e a angústia lhe comia o estômago vazio. Faltava-lhe amor próprio, vontade de mudar. Mais fácil fechar os olhos e sentir o sabor do uísque tilintando as papilas gustativas já habituadas àquela mistura a 40% de álcool. Após uma noite de sono, lhe restaria a língua grudada no céu da boca, feito papel de bala.

Mas ainda era dia. O sol brilhava forte do lado de fora, a ponto de esbranquiçar a vista de um céu azul como há tempos não se via. Foi num dia como aquele que experimentara sua primeira dose etílica. Na adega do pai, percebeu que o barril de carvalho pingava. Deveria estar com a rosca frouxa... Não resistiu e colocou a boca debaixo da torneirinha. A gota da pinga que o pai tanto curtia lhe estremeceu a espinha.  Intenso, mas gostoso. Acabou voltando outras vezes, na esperança de que a torneirinha estivesse mal enroscada – e, muitas vezes, estava ­–, para experimentar a tontura bater e a garganta arranhar. Lembrando do passado, fechou os olhos e adormeceu.

À noite, seguiu-se o dia, como não poderia deixar de ser. Assim como não poderia deixar de ser sua rotina: bebeu a festa, bebeu o dia, bebeu a noite, bebeu a vontade de viver. Mas um dia despertou, abriu os olhos para o que não queria ver. Foi até o espelho e encontrou um homem velho.

– Eu destruí o carro do vizinho na tentativa de estacionar o meu?

– Eu cantei as amigas de meu filho aqui dentro de casa?

– Eu fiquei uma semana num motel sem ter dinheiro para pagar?

No desespero, olhou para a garrafa e se viu preso dentro dela. A imagem refletida dizia não. E foi então que ele saiu do quarto. Estava lá há quantas horas? Quantos dias? Seriam anos? Não lembrava. Ele havia bebido o tempo e tinha recordações turvas. Passou direto pela sala, sem dizer nada para mulher e filhos. Nunca mais voltou.

domingo, 11 de julho de 2010

Ele é o barão da gastronomia

Um restaurante que revogou o menu; derrubou as paredes da cozinha; e apostou numa decoração que chega a ser simples de tão requintada (ou seria o oposto?). Surpreendente em todos os sentidos. Só assim para descrever o restaurante petropolitano que tem em suas peculiaridades o grande diferencial: o Barão Gastronomia é ímpar. Mesmo numa cidade que esbanja opções gastronômicas, o Barão tem um charme que é só dele.

E regras idem. Nem adianta bater à porta do restaurante para jantar. O chef só atende com hora marcada. Uma vez à mesa, o cliente pode até sugerir preferência por algum sabor específico, mas o prato final sairá única e exclusivamente da cabeça do Barão.

E se um dos acompanhamentos for rejeitado? Com seu jeito boa-praça, sorriso no rosto que só desaparece quando o chef está compenetrado diante da panela, ele  convencerá o visitante a experimentar a primeira garfada  a que, invariavelmente, segue-se outra e mais outra... O valor a ser pago é determinado pelo número de pratos, todos elaborados na frente do cliente, numa cozinha totalmente aberta para o salão.

Alessandro Soares Vieira é conhecido como Barão desde a maternidade, quando chegou ao mundo já surpreendendo. Sua mãe estava grávida de gêmeos, não sabia e levou sete dias para se decidir pelos nomes do menino e da menina. Impaciente, o pai resolveu chamá-los de barão e baronesa, temporariamente. Nele, o apelido pegou, enquanto a irmã, criadora dos móveis do restaurante (todos à venda), ficou conhecida por seu nome mesmo, Alessandra. Foi em família que descobriu sua vocação para a cozinha.

— Minha vó, diante do fogão a lenha, já me chamava a atenção. Achava aquilo bonito. Eu me lembro dela guardando a carne em latas de banha, quando ainda não havia geladeira. Nos Natais em família, comecei a ajudar minha mãe com aqueles banquetes típicos da época — conta.

Obstáculos não faltaram. O pai, caminhoneiro, não gostava nada da ideia de o filho virar cozinheiro. Sem dinheiro, Barão não tinha como investir em cursos:

— Foi quando tracei uma meta: decidi que  trabalharia com os melhores chefs, e essa seria a minha escola.

Deu certo. Passou pelas cozinhas de Danio Braga e Claude Troisgros, “com quem só não aprende quem não quer”. No Locanda della Mimosa, começou lavando pratos. Aos poucos, foi conquistando o seu espaço. Hoje, o restaurante Barão Gastronomia serve pratos com ingredientes regionais, temperados com um toque francês, e é marcado ainda pela presença de carnes exóticas como javali, jacaré, rã, escargot e outras tantas. A novidade que vem por aí é o cervo, como ele mesmo adianta.

— Tudo devidamente autorizado pelo Ibama, claro — avisa.

O restaurante se mudou recentemente para a nobre União e Indústria, em Itaipava. A antiga casa ocupada, em Areal, se transformará numa escola de gastronomia, com aulas gratuitas para a região. Foi no bairro de Petrópolis que o Barão nasceu e onde mora até hoje.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Pura adrenalina

Frequentei, durante minha adolescência, o Parque da Catacumba, na Lagoa. Costumava aproveitar as tardes, depois do colégio, para subir até o mirante. Depois disso, nunca mais voltei por lá. O parque é lindo, conta com esculturas de artistas como Franz Weissmann e Sérgio Camargo, mas não costuma ser muito frequentado. Talvez por ficar num lugar com cara de passagem - na Avenida Epitácio Pessoa, 3000, bem em frente a um posto de gasolina. O parque, no entanto, tem chance de entrar para o roteiro de muitas famílias e de aventureiros.

Ele acaba de ganhar um complexo de turismo de aventura desenvolvido no modelo da experiência do Parque Nacional Foz do Iguaçu. Não oferece nada tão eletrizante como as cataratas, mas caminhar a nove metros do chão, sobre um arame ou toras de madeira móveis, testando o equilíbrio ao longo de cem metros de percurso não é nada tranquilo. Confere só o meu drama encarando o desafio, que num primeiro momento até me pareceu fácil (veja o vídeo).

Andam criticando por aí a interferência das atrações na natureza, mas acho besteira. Os brinquedos são feitos de madeira propositadamente, para se camuflarem no meio do mato. Tem tirolesa (R$ 10), muro de escalada (R$ 15), arvorismo adulto (R$ 30) e infantil (R$ 20) e rapel (R$ 40). Pagando R$ 75, o viositante tem direito a experimentar todas as atividades, sob concessão da Lagoa Aventuras.

Vale a pena ir lá conferir.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Caminho das pedras do Detran

Sair de casa, do trabalho, do curso, da praia, seja lá de onde for com a chave do carro na mão, chegar ao lugar onde estacionou e... cadê meu carro? Não há nada pior, certo? Errado, o pior ainda está por vir.

Se você já teve o carro rebocado, deve estar entendendo onde eu quero chegar. Então, eis o caminho das pedras para quem precisa recuperar o próprio automóvel. E cuidado, vai ter gente fazendo de tudo para atrapalhar sua missão.

1. Vá ao Detran na Avenida Presidente Vargas, 817, Centro. No térreo haverá várias portinhas, cada uma cumpre uma finalidade. Procure a que guarda vários caixas eletrônicos.

2. Lá, tire a guia de tudo que você deve no carro (multas não pagas, IPVA atrasado etc). Você deverá estar com o Renavam do veículo em mãos.

3. Olhando para o Detran, vá para o última porta à direita. Um atendente suuuuupersolícito praticamente jogará um papel em cima de você quando explicar seu problema. É importante que você se esforce para pegá-lo. Ele será útil.

3. Lá estarão descritos todos os documentos dos quais você precisará de cópias. Faça no mínimo três de cada, senão quatro. Você não irá se arrepender.

4. Atravesse a Presidente Vargas e, do outro lado, entre na Rua dos Andradas. No segundo quarteirão, você encontrará no lado direito da rua uma entrada grande de um prédio comercial. É a única. Pode entrar.

5. Suba um lance de escada e procure a porta da CET-Rio. Lá, pegue a guia de pagamento das diárias no estacionamento da companhia de tráfego. Melhor sentar na cadeira: a vaga no depósito te custará R$ 45 por dia. Então é melhor resolver tudo bem rapidamente. Se você foi rebocado na sexta-feira, um abraço.

6. Há uma loja de xerox pertinho da CET-Rio. Vá nessa que é mais barata do que a do lado do Detran.

7. Vá ao banco e pague tudo o que deve. Dói no bolso, mas é necessário.

8. A partir de agora, só o proprietário do veículo poderá seguir adiante. Volte ao Detran, mostre tudo pago e pegue um documento de nada consta.

9. Volte à CET-Rio e pegue um último documento. É... é uma prova para você ver até onde você vai pelo seu carro. Mas tá no fim...

10. Lá você vai saber onde está o seu carro e receberá a guia de recolhimento. Tem que pagar para tirar o carro. Vá para o banco e pague, sem pestanejar. Você está prestes a dar o último passo.

11. Se dirija ao depósito indicado na CET-Rio, mostre todos os documentos e, enfim, você terá seu carro de volta.

Não é à toa que dizem: um carro te dá duas felicidades. Uma quando você o compra e outra quando você o vende.