segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O nu como metáfora do abandono

A fumaça, o ronco do motor dos carros ou o barulho das buzinas parecem não incomodar o sono tranquilo de Gabriel dos Anjos Barbosa, de 25 anos. Ele é visto, com frequência, bastante à vontade — até um pouco demais — deitado em sua cama improvisada na saída do Túnel Acústico, na Gávea. Os motoristas que reparam no homem magro sobre o colchão podem até julgá-lo como um desavergonhado, afinal Gabriel tem o hábito de dormir completamente nu. Entretanto, aqueles que o abordarem perceberão que o morador de rua é na verdade bastante tímido. Talvez não hesite em se despir na hora do descanso, convencido de que se tornou invisível aos olhos da sociedade.

Ao ser acordado por estranhos nessa situação, nesta sexta, por volta do meio-dia, repetiu o pedido de desculpas e a promessa de que aquilo não se repetiria. O movimento para se cobrir com o cobertor foi instintivo e mais rápido até do que o despertar do mundo dos sonhos. Gabriel tem cerca de 1,70m, lhe falta pelo menos um dente e as palavras saem emboladas de sua boca, o que, combinado com o barulho do tráfego intenso no túnel, torna difícil o processo de decifrar um pouco dessa personalidade.

O colchão fica posicionado em uma pequena área de terra, localizada próxima a um vão que separa as duas pistas do túnel e serve de escada para os aposentos do sem-teto. A pilastra do túnel virou guarda-roupa: ali ficam penduradas as duas camisetas e as duas bermudas de Gabriel. Há ainda uma garrafa PET com água, uma mochila e um par de tênis. Em cima do colchão um lençol e um cobertor, que no ambiente abafado, costumam ser dispensados pelo homem ao longo do período de sono.
Ele não sabe dizer ao certo há quantos anos vive nas ruas, só que “faz muito tempo”. Com a mão no queixo, pensa um pouco e conta ter saído de casa por causa do padrasto, José Maia, que mora na Rocinha.

— Ele é ruim. A gente não se dá bem — diz, sem se alongar.

Também prefere não falar muito da mãe, que morreu há cerca de 10 anos e de quem conta sentir falta. Antes disso, Gabriel já havia saído de casa. Não tem irmãos e o pai não conheceu. As poucas roupas que carrega foram doadas por moradores da Gávea e as refeições consegue com comerciantes, que trabalham nos quiosques localizados nas proximidades da PUC. Nascido em Nova Iguaçu, não conseguiu passar da 4º ano, mas gostaria de voltar a estudar. Nunca trabalhou. Garante que não bebe e nem usa drogas, mas já foi parar na delegacia uma vez.

- Por engano - pontua ele.

Os policiais o acusaram de roubo, mas ao chegar à delegacia a vítima teria afirmado que se tratava do homem errado.

- Eles até me pediram desculpas - contou.

O morador de rua já passou mais de uma temporada num abrigo da prefeitura, mas não se adaptou. Se foi maltratado?

— Não, isso não. Mas não gostei — resumiu.

Refeito do susto do despertar súbito e já envolto no cobertor, Gabriel disse que se vestiria para deixar o “dormitório”, como que pedindo licença para pegar as roupas no “armário”. Antes de pedir algo para comer nos quiosques, planejava tomar um banho no canal localizado em frente ao portão de saída da PUC, no terminal de ônibus. Ali, usaria cueca.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Morro da Conceição: ar de cidade do interior em pleno Centro

Por volta das 18h, senhorinhas posicionam sua cadeira na porta de casa e se preparam para ouvir as badaladas da ave-maria soadas pela igreja. Logo depois, o momento de religiosidade dá vez a fofocas sobre a vizinhança. Sonhos não faltam por ali e — pelo menos os recheados de creme — são anunciados pela buzina de uma bicicleta conduzida pelo padeiro, que entrega de porta em porta, diariamente, o doce e pães quentinhos. O caminho também é percorrido pelo vendedor de botijões de gás e pelo vassoureiro. O ar típico de cidade do interior paira sobre um oásis estacionado no tempo, em pleno Centro do Rio, e que cada vez se torna mais conhecido dos cariocas. Bem-vindo ao Morro da Conceição.

Os sambas às segundas e sextas-feiras na Pedra do Sal e a cerveja gelada servida no Imaculada Conceição, restaurante aberto há dois anos, vêm levando moradores de outros pontos da cidade a se aventurarem nas ladeiras e escadarias do morro. O local é circundado pelas ruas Sacadura Cabral e Acre, e, bem perto dali, estão ainda as avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, além da Perimetral. A revitalização da Zona Portuária também colocou o morro em evidência.

— Eu morava em Vila Isabel quando vim pela primeira vez. Fiquei chocada. É como uma ilha esquecida, no meio de um tempo tão corrido — filosofa a artista plástica Adriana Eu, que há quatro anos se mudou para um dos sobrados do morro, transformado em residência e ateliê. — Aqui as crianças ainda brincam de elástico e jogam futebol na rua, dormimos de janelas abertas e conhecemos todos os vizinhos.

Ela não é a única a pensar assim. Artistas plásticos já buscam inspiração vivendo no morro há algum tempo. Marcelo Frazão trocou um apartamento em Copacabana por um sobrado de três andares na Ladeira do João Homem há 16 anos.

— Vim quando esse movimento de chegada de artistas estava começando. Éramos quatro, hoje somos mais de dez — conta Frazão, que está transformando seu ateliê em galeria.

Artista: “O morro é como um éden”

Quem passa em frente às casas geminadas e vê as fachadas coloridas não imagina o quanto são espaçosas as construções de arquitetura tipicamente portuguesa, muitas datadas do século XIX. Algumas têm seis metros de pé-direito. Se até bem pouco tempo atrás o preço acessível era um dos chamarizes, agora os proprietários veem o valor dos imóveis disparar. O artista plástico Renato Sant’Ana conta que já recebeu inúmeras propostas por seu sobrado, com valores dezenas de vezes o que pagou há 20 anos. A venda, no entanto, está fora de cogitação:

— O morro é como um éden. Do burburinho da Rio Branco, de repente se chega aqui, um local mágico.

Assim como os demais, Renato só abre seu ateliê com hora marcada. A exceção é quando há eventos no morro, como o Projeto Mauá, do qual é um dos organizadores. O evento é realizado desde 2001, nas proximidades do Dia de Nossa Senhora da Conceição, 8 de dezembro, quando uma procissão percorre as ruas dali. Diversas casas têm uma imagem da santa sobre a entrada.

Em 2012, a Fundação Roberto Marinho realizou, em setembro e novembro, o evento O Morro e o Mar. O projeto é ancorado pelo Museu de Arte do Rio (MAR), que deve retomá-lo este ano após sua inauguração, em março.

O Observatório do Valongo, pertencente à UFRJ, também promete ser outro atrativo para moradores e visitantes. Segundo o professor Carlos Rabaça, a ideia é transformar o local num parque temático de astronomia e ciência. Localizado ao lado dos românticos Jardins Suspensos do Valongo — projetados em 1906 por Luiz Rey e recentemente reformados —, o observatório ganhará um mosaico de azulejos em seu muro, que será criado pela arquiteta Laura Taves com os moradores.

— Conseguimos captar R$ 100 mil da Faperj, mas ainda falta a verba para a aplicação dos azulejos — contou.

A badalação fica por conta das rodas sambas da Pedra do Sal. O nome remete à pedra de gnaisse escorregadia que leva ao Morro da Conceição e onde escadas foram talhadas pelos escravos. Ali ocorria o descarregamento do sal importado de Portugal durante o Império. Grandes nomes da música, como Pixinguinha, João da Baiana e Heitor dos Prazeres, frequentavam o local, que ganhou status de berço do samba.

O bar Bodega do Sal já planeja mudanças, diante do sucesso das noitadas com os jovens — são organizadas festas com samba do lado de fora do estabelecimento. O espaço será modificado e passará a receber shows internamente. André Peterson, que toca o negócio com a mãe, promete maior variedade musical para este ano:

— Pretendemos incluir jazz e MPB. Moramos aqui há 32 anos e desde 1996 temos o bar. Os eventos começaram em 2006 — diz, acrescentando que cerca de 90% dos clientes do bar vêm de outros bairros.

Um público não tão jovem e um pouco mais sofisticado costuma subir a Ladeira do João Homem para comer os quitutes do Bar Imaculada Conceição e beber a cerveja “glacial”, como promete o gerente Ângelo Acauã. Nas mesas, adesivos imitam placas de rua com nomes de músicos como Jamelão e Silas de Oliveira, e informações sobre eles. Em harmonia com o viés artístico do morro, o local abriga itens de exposição, que estão muitas vezes à venda. Já recebeu, por exemplo, obras de Salvador Dalí.

Uns gostam da movimentação, outros não. Alunos de fotografia costumam subir o morro e, à vezes, incomodam os moradores, que veem sua privacidade invadida. Por isso, placas alertam os visitantes para alguns cuidados que devem ser tomados — como não fazer fotos sem pedir permissão. Muitos que vivem ali são descendentes de famílias portuguesas, como Ferdinando Rodrigues da Costa, de 75 anos, que nasceu no morro:

— Meu pai era português. Amo este lugar e não saio daqui por nada. Meu filho, médico, também permaneceu.

Palácio Episcopal e forte do Exército estão entre as construções históricas

As vielas e construções do Morro da Conceição guardam parte importante da História do Rio. O local, ao lado dos morros do Castelo, de Santo Antônio — ambos demolidos — e São Bento, marca a ocupação inicial da cidade, ainda no século XVI. Em 1634, o casal Miguel de Carvalho de Souto e Maria Dantas ergueram uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição no alto do morro, que ganhou seu nome. A construção acabou transformada no Palácio Episcopal, em 1701, como conta o historiador Milton Teixeira.

Invasão por corsários

Em 1711, essa região do Rio foi invadida por corsários franceses, que bombardearam a cidade. Temendo que isso voltasse a acontecer, os portugueses ergueram um forte em cima do morro, de 1713 a 1718. Tombada pelo Iphan, a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição abriga hoje a 5ª Divisão de Levantamento do Exército.

— Lá estão 30 metros não demolidos do muro que no passado circundou a cidade — diz o historiador Milton Teixeira, para quem o morro escapa dos clichês. — A maioria dos moradores é descendente de portugueses. A ocupação é majoritariamente branca, e nunca houve tráfico dominando o local. Em parte por causa do forte e do Exército, mas também porque quem vivia ali sempre teve emprego no Porto.

A revitalização da região já alcança o morro, que teve 16 vias reurbanizadas. Foram feitos serviços de redimensionamento e troca de redes de esgoto, água pluvial, potável, telecomunicações e iluminação, além de pavimentação e calçadas. A Light promete pôr sua fiação numa rede subterrânea.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Frio, fome e cansaço. É uma aula de sobrevivência


Turma recebe instrução, em Itaguaí
 Frio, fome e cansaço. Esses foram apenas alguns dos limites testados pelos alunos que participaram da primeira edição do curso “Resgate em Situações Adversas”, oferecido pela Cruz Vermelha do Rio de Janeiro nos dois fins de semana passados. Um grupo de 30 alunos, com idades entre 17 e 40 anos, partiu para uma área de Mata Atlântica, em Itaguaí, disposto a participar de um verdadeiro teste de sobrevivência e atrás, principalmente, de técnicas para salvar vidas. A próxima edição do curso, aberto também para não voluntários, acontece em setembro.

Tudo começa em sala de aula, quando os alunos aprendem técnicas de primeiros socorros, como montar abrigos, realizar nós e amarrações, identificar animais peçonhentos e coletar água da chuva, sempre dispondo de poucos recursos. Depois, chega a hora de abrir mão de banho, conforto e das oito horas diárias de sono e partir para a parte prática do curso.

A maioria dos participantes tende a ser formada por profissionais da área de saúde, como médicos, enfermeiros e professores de educação física, além de militares, mas não é exclusiva a eles. O curso oferecido pela Cruz Vermelha recebeu, por exemplo, um mecânico de embarcações e uma jornalista (esta que vos fala).

Ao chegar ao local do acampamento, os primeiros desafios foram erguer seu próprio abrigo, usando apenas corda, lona e pedaços de madeira, construir uma latrina e preparar fogueiras. Vítimas fictícias precisavam ser resgatadas a qualquer hora do dia ou da noite, com ferimentos graves e em locais de difícil acesso. Os melhores amigos dos alunos passaram a ser bússolas, lanternas, facões e, principalmente para as mulheres, lencinhos umedecidos.

Para a técnica em enfermagem, Luana Azevedo Brito, a experiência foi boa e resultou em novos aprendizados. O momento mais difícil, na opinião dela, foi acordar no meio da noite, momentos depois de pegar no sono pela primeira vez no acampamento, para socorrer uma vítima fictícia:

— Foi diferente do que eu esperava, porque agregou mais conhecimento do que esforço físico. Com esse curso, pretendo me qualificar para deixar de trabalhar em hospitais e passar a atuar em resgate em ambulância.

— O resultado desta primeira edição foi muito positivo. Os alunos demonstraram muita vontade de aprender e superar seus próprios limites. Todos toparam participar de todas as atividades — comentou o instrutor Emerson de Freitas Pereira.

No balanço de Douglas de Souza Oliveira, instrutor do curso e coordenador do Departamento de Socorro e Desastres da Cruz Vermelha, a primeira edição se mostrou bastante promissora. Ele já pensa em lançar um módulo avançado para os próximos meses:

— Uma pessoa costuma levar pelo menos 24 horas para se adaptar a uma situação adversa como aquelas, mas nem deu tempo para isso, porque estávamos nos movimentando todo o tempo. Mesmo assim, o grupo se saiu muito bem.

O próximo curso acontece nos dias 15 e 16 de setembro (módulo teórico na filial da Cruz Vermelha) e 22 e 23 de setembro (módulo prático na Reserva de Itaguaí). Transporte, alimentação e as acomodações estão inclusas no valor do curso, de R$ 260. O valor pode ser parcelado em duas vezes de R$ 140 ou três vezes de R$ 100. Para se inscrever no curso é preciso entrar em contato com a Cruz Vermelha pelo telefone 2508-9090 ou pelo e-mail informacoes@cruzvermelharj.org.

Caça aos tesouros do Palácio Capanema


Jardim de Burle Marx: 2º andar do Palácio
 O valor do Palácio Gustavo Capanema, também conhecido como prédio do MEC, no Centro, vai além das formas modernas de sua arquitetura. A prova está num inventário das obras de arte e do mobiliário ali presentes, que vem sendo realizado antes de uma primeira grande reforma tomar conta do lugar. Entre as principais descobertas desse garimpo está um painel de azulejos de Candido Portinari inédito, como adiantou a coluna Gente Boa, do GLOBO.

A nova descoberta reúne cerca de 1.400 peças, com 30 padrões nunca antes expostos ao público, que formam um grande peixe e deveriam adornar a fachada da Livraria Mário de Andrade, localizada nos pilotis do palácio. Quem conta é o historiador de arte Raphael João Hallack Fabrino, sócio da Tapuias Patrimônio Cultural, responsável pelo inventário:

— Existe uma carta de Gustavo Capanema (então ministro da pasta da Educação e Saúde Pública), datada de 16 de maio de 1942, em que ele avalia como não satisfatório o resultado estético da ampliação do desenho nos azulejos. Na carta, ele ainda diz que recomendou a substituição da figura do peixe e a fabricação de novas peças. Hoje o painel tem uma estrela do mar.

Os azulejos estão armazenados entre outras dez mil peças excedentes de restaurações. Além de oito painéis de azulejo de Portinari — sete no pilotis e um no segundo andar —, o palácio abriga quatro quadros do artista e afrescos no Salão Portinari, que lembram os ciclos econômicos do Brasil.

A primeira fase do inventário listou 55 obras de arte e 120 peças do mobiliário, presentes ali desde a construção do palácio, entre 1936 e 1945. Há preciosidades como uma mesa de pés elípticos, assinada por Oscar Niemeyer e usada no gabinete do Ministério da Cultura. O arquiteto projetou o prédio, ao lado de Carlos Leão e Affonso Eduardo Reidy, todos liderados pelo suíço Le Corbusier e por Lucio Costa.

— O interessante ali é que os móveis estão em uso, numa realidade bem diferente de um museu. Durante as pesquisas, tinha gente que dizia: "Essa mesa é velha, pode tirar daqui". Mas então respondíamos que ela havia sido projetada por Niemeyer. O olhar sobre a peça mudava na hora. O inventário é um primeiro passo para aferir o valor desses objetos que deverão passar a receber um tratamento especial — conta Fabrino.

O documento registra ainda a presença de um tapete, que Niemeyer reconheceu em 1984 ter sido desenhado por ele, além de sofás em aço tubular no segundo andar, cuja suspeita é de que tenham sido criados por Lucio Costa. Outra obra de Portinari, o mural "Jogos Infantis", tem manchas causadas por fungos. Sinal dos problemas do prédio, com infiltrações e pisos quebrados.

Até esses danos trazem à tona um pouco da história da construção. As infiltrações ocorrem principalmente abaixo dos jardins projetados por Burle Marx, que não estão presentes apenas nos pilotis, mas também num espaço aberto no segundo andar e na cobertura do prédio. Já a ferrugem foi causada por anos de exposição à maresia e faz lembrar que, antes do Aterro do Flamengo surgir na paisagem, o mar chegava ali pertinho, na altura da Rua Santa Luzia.

A construção de um edifício aberto, sem grades de segurança em seu entorno, revolucionou a arquitetura principalmente no exterior, como conta o arquiteto do Iphan e especialista no Palácio Gustavo Capanema, Luciano Pereira:

— O Capanema representou, na época, uma ruptura com o conceito acadêmico de edificação que ganhou grande notoriedade no exterior. Surgia um espaço aberto, um verdadeiro convite à passagem de pessoas.

A reforma deve solucionar problemas estruturais do prédio. A ideia é também reduzir o número de escritórios instalados no local para que o espaço ofereça mais serviços à população.

— Recebemos muitos visitantes estrangeiros atraídos pela arquitetura do Capanema. Um levantamento sobre os possíveis usos dos espaços deve estar pronto em breve — afirma a superintendente do Iphan no Rio, Cristina Lodi.

Entre as possibilidades, está a instalação de um restaurante na cobertura do palácio, com vista para a Baía de Guanabara.

sábado, 16 de junho de 2012

Festas tão estranhas quanto boas


Ônibus transporta festa de 15 anos
 Nem só de boates e casas de festa vive a noite carioca. Parte do agito passa bem longe desses redutos tradicionais e, justamente pelo inusitado, vem fazendo sucesso com públicos diversos. Tem muita gente, por exemplo, enxergando num ônibus muito mais do que um meio de transporte e numa balsa que circula pela Lagoa de Marapendi não só uma forma de chegar à Praia da Barra. Os hostels da cidade também se tornaram ponto de encontro dos jovens mais antenados e avessos aos “inferninhos”.

Quem embarca na Bus Party não se arrepende, garante o idealizador do negócio, Maurício Somlo, de 23 anos. Ao ver um ônibus em festa pelas ruas de Las Vegas, nos Estados Unidos, Maurício teve a ideia de lançar algo semelhante no Brasil.

— Comecei a operar em 2010, em São Paulo, onde já tenho dois ônibus disponíveis para festas. Em novembro passado cheguei ao Rio, oferecendo um veículo. Faço desde festas de adolescentes a eventos empresariais. Há ainda quem queira o serviço para levar a turma a algum evento, garantindo o clima festivo já no trajeto — contou Maurício.

O ônibus embala até 40 pessoas, ao preço de R$ 750 por duas horas, de segunda a sexta-feira, e de R$ 950 por três horas, nos fins de semana. O serviço inclui água e refrigerantes. A 15km/h, a festa ambulante não costuma passar despercebida. Quando a viu passando pelo Leme, o comerciante Augusto Ferreira teve certeza de que ali seria o aniversário do seu filho, João Pedro:

— Marcamos um ponto de encontro para os amigos embarcarem no ônibus e depois passamos em frente ao colégio deles. Por ser diferente, todos ficaram cheios de expectativas em relação à comemoração.

Com Rebecca Braga, que comemorou seu 13 verão a bordo da Bus Party, não foi diferente.

— Estudo no Colégio Cruzeiro e, lá, ninguém nunca tinha ouvido falar sobre esse ônibus. Carros até diminuíam de velocidade para tentar ver o que estava acontecendo ali dentro. Não dá nem para sentir que o ônibus está andando, a não ser porque a paisagem vai mudando — contou a adolescente.

Outra novidade circula pelas águas da Lagoa de Marapendi: o Ecolounge. Uma balsa como as que fazem travessias entre condomínios e a Praia da Barra e da Reserva foi decorada para abrigar, exclusivamente, festas. A embarcação comporta entre 40 e 60 pessoas, e o pacote, com água, refrigerantes e comida incluídos, custa a partir de R$ 3.500. A festa dura quatro horas e conta com barco de apoio para buscar convidados em terra.

Sócia em duas casas de festa, Valéria Peixoto lançou a novidade há dois meses com a irmã e um amigo, que já operava uma balsa de travessia.

— Clientes perguntavam se não havia um lugar para fazer uma festa com um número menor de convidados e mais privacidade — contou Valéria.

Já se a ideia é pagar ingresso e entrar numa festa aberta ao público, os hostels têm sido uma opção. Para conseguir um espaço no quintal da Casa Alto Lapa Santa, em Santa Teresa, é preciso chegar cedo. Depois de superlotar o local por algumas vezes, o dono Marcos Itamar decidiu limitar o público em 200 pessoas. A casa conta com dois apartamentos com espaço para oito hóspedes cada um.

— Comecei a fazer a festa porque sou fumante e sentia falta de um lugar aberto. Deu certo. A ideia é ser alternativo, com som sempre instrumental — contou Marcos.

O ingresso custa a partir de R$ 25. Juliana Almeida, designer, de 30 anos, não costuma perder as festas por lá. Quando se cansa de dançar, se encosta na mureta e admira a vista da Lapa, com a Catedral ao fundo:

— O clima de boate cansa. Aqui o clima é outro. As pessoas batem papo e o som é sempre bom.

O Copa Hostel, em plena Avenida Nossa Senhora de Copacabana, já deixa claro em seu site que o lugar é agitado. Às quartas-feiras, a noite é de danças latinas, com direito a aulas com professor e cerveja liberada das 22h à meia-noite. O ingresso custa R$ 20 para homens e R$ 12, mulheres.

— Costumam vir muitos turistas e estudantes de intercâmbio — contou Luiz Geraldo Santos, gerente-geral do albergue.

terça-feira, 15 de março de 2011

Um espião com pinta de caça-fantasmas

Ele nunca tinha estado em um bloco, mas já na estreia se tornou uma das atrações do carnaval de rua 2011. É só Charles Boggiss, de 32 anos, vestir seu macacão branco e a mochila com uma câmera 360º acoplada para chamar a atenção por onde passa. A mochila-espiã e o carro-espião, que flagram irregularidades e enviam as imagens para o Centro de Controle da prefeitura do Rio, é uma das novidades da folia deste ano que gerou polêmica.

Enquanto Boggiss caminha registrando tudo ao seu redor, há comentários de todo tipo: “parece até o caça-fantasmas”, “você está ficando famoso”, “olha aquele cara que filma os mijões”. Na apresentação do bloco Mulheres de Chico, no Leblon, uma foliã foi mais longe e tentou atirar água na câmera de Boggiss com uma arma de brinquedo.

— Foi só uma brincadeira, mas ele é um baita dedo-duro. Tira um pouco a privacidade de quem brinca no bloco — reclamou Bruna Martins, estudante de 22 anos.

Apesar de algumas reclamações, Boggiss garante que a maioria dos foliões entende a função da mochila-espiã e do carro-espião.

— Tem gente que acha que estou enviando imagens para as redes de televisão. Quando me abordam, eu explico que as gravações são usadas pelo Centro de Controle da prefeitura para planejar melhorias para o próximo carnaval. Em geral, as pessoas entendem e apoiam o trabalho — explica.

Num primeiro momento, ele admite que imaginou alguma resistência da parte dos foliões quanto a sua presença no meio da festa, mas diz que a receptividade foi melhor do que a esperada. O maior flagrante que ele fez neste carnaval mostrou um homem urinando no carro-espião, conforme exibiu o “Fantástico“ da semana passada. O folião foi detido. O serviço, no entanto, acabou ultrapassando a função de vigiar:

— Em Santa Teresa, a filmagem que é enviada diretamente para o Centro de Controle da Prefeitura, viabilizou a rápida chegada dos Bombeiros ao local do acidente, em que um folião caiu de cima de um muro de cinco metros — conta, orgulhoso.

Boggiss vem reagindo bem à fama repentina, até porque ele chegou a conquistar algum reconhecimento em outra área de atuação. Durante quatro anos, o atual espião da prefeitura morou no Hawaí competindo no windsurf. Após voltar para o Brasil, começou a desenvolver a tecnologia usada pela prefeitura com uma amigo dos tempos do esporte.

A parceria com a prefeitura e a repercussão que o uso do equipamento ganhou estão servindo como uma vitrine para o novo produto. E Boggiss se tornou quase um garoto propaganda do item. Isso por acaso, porque a princípio outra pessoa carregaria a mochila-espiã em meio ao carnaval. Já no primeiro bloco de rua, o prestador de serviço furou e Boggiss acabou assumindo a função.

— O ideal mesmo seria eu cumprir essa função, afinal desenvolvi o equipamento e sei usá-lo — diz.

A mochila pesa cerca de cinco quilos e carrega um computador, uma bateria e um inversor que transforma 12 volts em 110 volts, além da câmera, que permanece sobre a cabeça de Boggis. Com o término do carnaval, a intenção da empresa que detém a tecnologia é que o produto seja usada em outros eventos e para vídeos institucionais de empresas.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Em busca de uma segunda chance

Márcio Diniz da Silva passou por três presídios, incluindo Bangu II, antes de ocupar uma das celas da Penitenciária Vieira Ferreira Neto, no Fonseca. Uma década de seus 32 anos de vida foi passada atrás das grades devido a condenações por tráfico de drogas. Ele conta que, dentro da prisão, chegou a receber instrução para dominar uma grande comunidade da Zona Oeste. Apesar de todo o histórico de crimes, agentes de segurança entregam a ele, diariamente, tesouras e estiletes para seu trabalho de confecção de bolsas, exercido dentro da carceragem. É como se uma primeira porta fosse aberta.

— Abracei essa oportunidade com toda a força, porque é a chance que tenho de aprender uma profissão. Sempre fui muito bom na rua, e aqui também dou o meu melhor — diz Silva, diante da máquina de costura. — É uma ilusão pensar que se enriquece com o crime.

Ele é um dos detentos que trabalham no projeto da ONG Tem Quem Queira, que recebe doações de peças publicitárias em vinil, como banners, e as transforma em bolsas diversas, com uso da mão de obra dos presidiários. Os itens confeccionados são comprados pelas próprias empresas que doam materiais. No caso da CEG, uma das parceiras do projeto, os produtos finais servem de brindes para clientes. Os detentos são remunerados e recebem o benefício da remissão da pena (para cada três dias trabalhados, a pena é reduzida em um dia).

— Apesar de a maioria dos detentos nunca ter trabalhado com máquina de costura, o acabamento é primoroso. Este mês, abriremos uma oficina extramuro para presos em liberdade condicional e uma loja para venda — conta Marco Luna, um dos idealizadores da ONG.

Essa não é a única atividade laborativa do presídio. Dos cerca de 200 presos, 80 trabalham internamente. Número elevado diante de um índice de 8% a 10% de presos envolvidos em atividades nos presídios do estado. Jaime Melo, presidente da Fundação Santa Cabrini, que coordena as atividades realizadas, reconhece que ainda há muito o que fazer:

— No Fonseca, temos um galpão disponível para o trabalho, o que ajuda. Além de serviços de limpeza, vagas surgem em padaria e mecânica. Uma gráfica, uma confecção e uma marcenaria estão quase prontas.

Jaredes dos Santos, de 66 anos, trabalhou como motorista de caminhão e de ônibus, até ir preso. Nunca tinha mexido numa máquina de costura e, hoje, conta que já enviou bolsas feitas por ele até para as netas e a esposa.  Santos trabalha das 9h às 16h, de segunda a sexta-feira. Leocádio de Souza Filho, que já passou pela confecção e hoje corta os moldes para as peças, também não tinha experiência. Preso por homicídio e tráfico de drogas, ele diz que pretende abrir uma pequena confecção quando deixar a penitenciária, usando o dinheiro que juntou em anos de trabalho intramuros. Desde 1984, ele só passou três anos fora da cadeia.